Discussão na base do grito

Por Cássio Borges

Não vi e nem ouvi o debate realizado último dia 14/2 no Senado Federal, sobre o projeto da transposição (de 26 m3/s) do Rio São Francisco para o Nordeste Setentrional. Refiro-me a 1,31% da vazão regularizada do citado rio, da ordem de 2.060 m3/s, ou 0,86% da vazão média que chega à sua foz e é desperdiçada para o mar. Para se ter uma idéia, o Rio Piracicaba dôa 68% de suas águas (33 m3/s) para o abastecimento da cidade de São Paulo e, no Rio de Janeiro, a derivação do Rio Paraíba do Sul (160 m3/s) chega a mais de 60%. Lendo O POVO da sexta-feria, dia 15/2, pude aquilatar o baixo nível técnico das discussões ante a participação de artistas de televisão e leigos no tema que, com certeza, não conhecem as irregularidades climáticas de nossa Região e muito menos as repercussões sócio-econômicas do flagelo das secas periódicas. Também essa gente não sabe visualizar o significado técnico do termo” m3/s” e nem sabe enxergar os seus objetivos, dentre outros parâmetros de engenharia ligados à Ciência Hidrológica.

Desculpe-me discordar do ilustre senador Tasso Jereissate ao reclamar que a discussão deve ser “intelectualmente honesta”. Acredito que o nosso dinâmico senador quis dizer: “tecnicamente honesta”, pois, no meu entendimento, é do ponto de vista técnico que o assunto deve ser debatido. E, neste aspecto, quantas saudades eu tenho dos meus tempos no valoroso Dnocs e do DNOS (extinto no Governo de Collor de Melo) que sofreram interferências políticas em algumas épocas, mas seus técnicos souberam se impor ante essas ingerências indébitas que procuravam desvirtuar as recomendações eminentemente técnicas, elaboradas por equipes sérias, competentes e independentes.

Tem razão o ex-ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, que ao dizer, na referida reunião, que não tem respeito às posições de alguns críticos do Projeto, “porque percebe má fé em alguns”. Com a minha vivência de mais de 40 anos como engenheiro do Dnocs, atuando nesta área de recursos hídricos do Nordeste, concordo em gênero, grau e número com essa declaração do ex-ministro. Por isso, irreverentemente, de livre e espontânea vontade, compareci, no ano passado, em Brasília, a uma audiência pública convocada, exclusivamente, por deputados federais da Bahia, Sergipe e Alagoas, contrários ao Projeto de Transposição e, de viva voz, em plenário da Câmara dos Deputados, em aparte, que me foi inicialmente negado, contestei todos os oradores inscritos, cujas premissas não tinham nenhum embasamento técnico. Dom Luiz Cappio era um deles, mas lá não compareceu, embora constasse na mesa dos trabalhos seu nome como um dos oradores convidados.

Fonte: Opinião – Jornal O Povo