Verdades sobre a transposição II

Por Cássio Borges

Depois de mais de dez anos (só para contabilizar os fatos mais recentes) de intensa, áspera e exacerbada discussão sobre o Projeto de Transposição de Águas do Rio São Francisco para a região Setentrional do Nordeste brasileiro, quando todas as contestações, possíveis e imagináveis, dos que são contrários a esse empreendimento pareciam estarem esgotadas, (e tecnicamente refutadas e desfeitas), eis que surge mais um inusitado argumento, segundo o qual “o Nordeste está em cima de uma mar de água doce”. Como se não bastasse essa descabida afirmação, o livro, denominado Toda a verdade sobre a transposição do Rio São Francisco, recentemente lançado no Senado Federal pelo ex-governador João Alves, compara “esse mar de água doce” com o aqüífero Guarani, um reservatório subterrrâneo de proporções gigantescas, um dos três maiores do planeta, que fica localizado no sul do Brasil, abrangendo, ainda, o Uruguai, Paraguai e a Argentina.

Segundo o ilustre engenheiro Manuel Bomfim Ribeiro, um dos oito autores do referido livro, o Projeto da Transposição poderia ser substituído por um vigoroso programa de perfuração de poços, para explorar este “mar de água doce”, cujos “custos são bem mais baixos…”. E acrescenta: “Perfura-se um poço em dois ou três dias de trabalho efetivo”.

A solução preconizada pelo engenheiro Bomfim, através da perfuração intensiva de poços tubulares no semi-árido nordestino, visa neutralizar os argumentos favoráveis à transposição de vazões do Rio São Francisco ao dizer: “Pouca gente sabe, pouquíssima tem a real consciência do que é a Transposição, que bicho é este que custa tão caro, um verdadeiro vandalismo financeiro”.

A proposta do engenheiro Bomfim Ribeiro, professor da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia, assemelha-se ao sonhado Projeto Paliteiro, que embalou os sonhos de um ex-governado do Ceará (1983-1987), sem obter sucesso.

Estima-se, hoje, que, em todo o Nordeste, existem por volta de 150.000 poços perfurados, em vez de 90.000 como o engenheiro Bomfim mencionou no livro. Mesmo assim, o problema do flagelo da seca permanece. Ademais, acrescente-se que 70% da área nordestina é constituída de rochas cristalinas e apenas 30% de áreas sedimentares. Estas últimas estão concentradas nos Estados do Piauí e Maranhão, no litoral e parte da Bahia, portanto quase a totalidade do Nordeste semi-árido é constituída de rochas cristalinas. Portanto, é um erro querer-se extrapolar os exemplos da existência de água no subsolo de áreas sedimentares para o Nordeste como um todo, afirmam alguns autores.. Quanto ao Projeto Radam, de 38 anos atrás (1970), no qual o engenheiro Bomfim fundamenta a tese da existência deste “mar de água doce em nossa região”, o mesmo não serve de base para definir segurança hídrica em áreas cristalinas, em face dos conhecimentos existentes atualmente. É apenas um trabalho superficial, a nível exploratório.

Fonte: Opinião – Jornal O Povo