A engenharia do semiárido e a água


Por Cássio Borges – borgescassio@hotmail.com
Engenheiro civil, especialista em recursos hídricos e barragens

Em artigo enviado ao Blog, o ex-diretor regional do DNOCS, Cássio Borges, engenheiro civil com especialização em obras hidráulicas pela Escola Nacional de Engenharia e Barragens pela Pontifícia Universidade Católica-PUC, lembra da importância do Dnocs no Dia Mundial da Água. Confira:

Dia 22 de março é comemorado o Dia Mundial da Água, insumo que se torna cada vez o bem mais valioso do Planeta e tem sido motivo de disputas entre os povos. Há mais de 30 anos nós já afirmávamos que se viesse ocorrer uma Terceira Guerra Mundial (que Deus nos livre) seria por água e não por petróleo ou qualquer outro insumo existente na Terra. É lamentável, neste dia, ver-se situações preocupantes de falta de água no nosso País, como em São Paulo, por exemplo, e no próprio Estado do Ceará, tudo ocasionado pela inexistência de uma política consistente, holística, na área de recursos hídricos. Usam-se expressões mercadológicas românticas e alegres (Caminho das Águas, Anéis d’Água, Cinturão das Águas) para projetos caros e pouco produtivos. Isso para justificar ações isoladas sem uma visão de futuro macro estratégica para esse setor primordial em qualquer parte do Mundo. Vejam os exemplos das Ilhas Canárias, onde estivemos a convite do governo espanhol, e de Israel, onde o  “precioso líquido” é mais escasso do que no semiárido brasileiro e conseguem conviver  de forma bem mais eficaz do que no nosso País. E ainda muito pode ser feito para um futuro mais promissor. Isso se houver humildade dos nossos dirigentes para reconhecer e aprender com os erros do passado e com a experiência adquirida, revertê-los em lições para o futuro!

Neste dia tão importante para a humanidade, queremos lembrar o velho e obstinado Departamento Nacional de Obras Contra as Secas-DNOCS, pois graças a ele a realidade do semiárido nordestino foi transformada em função de suas próprias experiências e, também, com a expertise que o órgão foi adquirindo em razão da troca de know how com outros países como a Espanha, Estados Unidos, México, Israel entre outros.  O tempo está demonstrando quanto estavam certos o seu primeiro Diretor Geral, Arrojado Lisboa (nos idos de 1909) e seus sucessores como Vinicius Berredo, Luiz Vieira e tantos outros que emprestaram a força e o brilho de suas inteligências para arquitetar, na região semiárida do Brasil, um órgão de engenharia da forma e semelhança do Bureau of Reclamation dos Estados Unidos, criado apenas sete anos antes.

O planejamento que preconizaram, na primeira década de sua existência, já induzia que o sistema de barramentos tinha dupla função: de combate às secas, que hoje chamam de “convivência com a seca” (pouco importa a denominação), e o da laminação das enchentes. Estudos feitos pelo DNOCS comprovaram, na prática, a exatidão do que aqueles antigos dirigentes da IOCS e IFOCS recomendaram como solução dos problemas da falta e do excesso d’água em nossa Região.

Lamentavelmente é forçoso reconhecer que a Rede Pluviométrica, componente principal da Rede Hidrométrica Básica do Nordeste, implantada pelo DNOCS no ano de 1910, a primeira e mais importante arma da hidrologia, está em estado de semiabandono, se é que ainda existe na sua concepção original, já não atende às necessidades gerais do planejamento, de fundamental importância para a correta implantação de obras hidráulicas visando o desenvolvimento de nossa Região. É necessária a conjunção de esforços para resolver, o mais breve possível, este grave problema de natureza técnica e o órgão mais diretamente atingido é, sem sombra de dúvida, o próprio DNOCS, o principal usuário dessas imprescindíveis informações.

Temos que admitir que nas últimas décadas o Departamento das Secas está perdendo suas forças pelo contínuo esvaziamento que a cúpula dirigente da República, sem nenhum razão convincente vem submetendo este Órgão que sempre foi considerado a Universidade do Nordeste. O mais recente golpe desferido contra aquele Departamento Federal foi o Decreto nº 8207, de 14 de março do ano passado, assinado pela Presidente Dilma Rousseff, transferindo para a CODEVASF-Companhia do Desenvolvimento do Vale do São Francisco a gestão e operação do Projeto de Integração do Rio São Francisco, incluindo 12 açudes dos principais açudes da Região construídos e administrados pelo DNOCS. Uma decisão inconsequente sem tamanho, pois que nos três principais itens, conhecimento do semiárido, infraestrutura administrativa e operacional e infraestrutura hídrica do semiárido, o DNOCS detém uma vantagem competitiva abissal comparativamente com aquela Companhia que foi criada para atuar em rios perenes e não em rios intermitentes, como é o caso do DNOCS com uma experiência, como acima foi dito, de 105 anos de existência.

O DNOCS há algum tempo perdeu o Vale do São Francisco para a CODEVASF, mas deixou marcas indeléveis de sua passagem por aquele Vale, inclusive na própria hidroelétrica de Paulo Afonso, onde existe um registro histórico de sua presença naquele empreendimento. A Hidroelétrica de Boa Esperança, construída no Rio Parnaíba, entre o Piauí e o Maranhão, graças à pertinência dos técnicos do DNOCS que, na época, sobrepujaram as críticas de poderosos segmentos que questionavam a existência de mercado consumidor de energia naqueles estados. A obra, após sua conclusão, foi entregue à CHESF, tendo dela também participado a própria SUDENE em convênio firmado entre as três entidades interessadas. Sentimo-nos honrado em ter tido um importante papel na viabilização desse empreendimento.

Do exposto, é fácil compreender que é dever do Governo Central da República – e dos estados nordestinos – fortalecer técnica e cientificamente o DNOCS, visando o desenvolvimento e a captação dos recursos hídricos escassos, a sua utilização racional e, através de Convênios com entidades públicas e privadas, nacionais, consolidar a sua posição de órgão especializado em Hidrologia Aplicada, Obras Hidráulicas, Irrigação e Drenagem, ainda incluindo como sua atribuição, constante em lei, a questão da desertificação. A este propósito, é importante lembrar o vitorioso Programa da Açudagem em Cooperação em que o DNOCS construiu em todo o Nordeste brasileiro cerca de 630 açudes de pequeno porte em parceria com os estados, municípios e particulares sendo, portanto, pioneiro no Brasil na utilização de recursos públicos para implantação de projetos em parceria, público, privada (PPP).

As ações serão voltadas exclusivamente para a problemática hídrica do semiárido nordestino. Há décadas está previsto nos planos do DNOCS a criação de um núcleo que foi denominado Centro de Pesquisas Hidrológicas e Hidráulicas que, juntamente com o Centro de Pesquisas Ictiológicas, já instalado em Pentecoste (Ceará) comporão a estrutura organizacional na área de Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Entidade. Estas medidas deverão resgatar para esse Departamento a sua antiga denominação, tão carinhosamente a ele atribuído pela população nordestina de a Universidade do Nordeste, capaz de desenvolver uma tecnologia própria na Região.

Dentro deste contexto, estará fortalecida a própria engenharia do semiárido nordestino, que o DNOCS, desde há muito tempo, tem contribuído para o seu desenvolvimento e aprimoramento, onde se destacaram nomes de notório saber e projeção nos meios técnico/científicos nacionais, ao longo dos 105 anos de existência desse velho, mas sempre atualizado Departamento. Ainda existe esperança e alternativas para a “escassez do precioso líquido”, mas é preciso visão macro estratégica, competência e vontade política dos gestores públicos e políticos em geral!

Fonte: http://blog.opovo.com.br/blogdoeliomar/engenharia-semiarido-e-agua/

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