A Seca do Quinze se repetirá?
Por Clésio Jean Saraiva
É creditado ao padre Fernão Cardin o primeiro relato de seca e teria ocorrido de 1583 a 1585 nos sertões da Bahia e de Pernambuco. Ocorreram secas nos idos de 1615, 1652, 1692/1693, 1709/1711, 1720/1721, esta alarmante e atingiu as províncias do Ceará e Rio Grande do Norte.
Teve ocorrência de secas nos anos de 1723/1727, 1736/1737, 1744/1745, 1748/1751, 1776/1778, uma das mais graves, pois coincidiu com um surto de varíola, provocando alto índice de mortalidade, quase todo o gado ficou perdido na caatinga, 1782, 1790/1793, dado o grande número de pedintes foi criada a Pia Sociedade Agrícola, primeira organização de caráter administrativo, cujo objetivo era dar assistência aos flagelados, há quem identifique na Pia Sociedade o embrião do DNOCS.
Ocorreu seca parcial atingindo Pernambuco entre 1808 e 1809 na região do São Francisco onde se registrou a morte de 500 pessoas por falta de comida. Novamente aliada à varíola ocorreu seca nos anos de 1824 e 1825, gerando muitas mortes na região nordestina. A Regência Trina autorizou a abertura de fontes artesianas profundas em 1831 visando resolver o problema da falta de água. Entre 1844 a 1846 uma grave seca atingiu os nordestinos, provocou a morte do gado e espalhou a fome.
Entre 1877 e 1879 uma das mais graves secas promoveu a migração de 120 mil cearenses para a Amazônia, 15% da população que era de 800 mil habitantes, e 68 mil pessoas foram para outros Estados. Ocorreram ainda secas em 1888/1889, 1898/1904, onde foi destinada uma parcela de recurso na Lei de Orçamento da República para obras contra as secas e foram criadas três comissões para analisar o problema das secas nordestinas.
Com a seca dos anos de 1908 e 1909 foi criada a Inspetoria de Obras Contra as Secas IOCS, que após várias secas, 1910; 1914/1915; 1919/1921; 1932 e 1945 ensejaram a sua transformação no DNOCS. Na seca de 1910 foram instaladas 124 estações pluviométricas no semiárido nordestino onde foram registradas as secas de 1914 e 1915.
Em conseqüência dos efeitos das secas de 1919 a 1921, de grandes proporções, sobretudo no sertão pernambucano, cresceu o êxodo rural no Nordeste. Após um período de chuvas regulares ocorreu a grande seca de 1932 e em 1945 uma nova seca se abateu sobre a região provocando a transformação da IFOCS, antes IOCS, no atual DNOCS. De 1951 a 1953 tem-se novo registro de seca de grandes proporções, O DNOCS propôs um trabalho de educação entre os agricultores objetivando a criação de núcleos de irrigação.
Em 1966 registra-se mais um ano de seca e em 1970 com uma grande seca que atinge todo o Nordeste, foram criadas as frentes de emergência, mantida pelo governo federal e que atendeu a aproximadamente 1,8 milhões de pessoas.
A mais prolongada seca da história do Nordeste ocorreu nos anos de 1979 a 1984, atingindo toda a região e deixando um rastro de miséria e fome em todos os Estados, em aproximadamente 1,5 milhões de km² não se colheu lavoura alguma. No Ceará foi registrada mais de uma centena de saques perpetrada por legiões de trabalhadores famintos que invadiram cidades usando a força para obterem alimentos em feiras-livres e armazéns.
Em 1993 outra grande seca atinge todos os Estados do Nordeste e parte do norte de Minas Gerais, houve novo alistamento em frentes de emergência que atendeu segundo dados da SUDENE, 1.857.655 trabalhadores rurais.
No final do mês de abril de 1998 uma nova onda de saques ocorreu em virtude dos efeitos da seca, onde a população faminta buscava feiras-livres e armazéns para pegar alimentos à força. Muitos animais morreram e lavouras foram perdidas. Todos os Estados do Nordeste, à exceção do Maranhão, foram atingidos causando prejuízo em cerca de cinco milhões de pessoas. Esta seca de 1998 praticamente se prolongou até 2001.
Em pleno período de ocorrência de seca braba, no fim do ano de 1998, mas precisamente no dia primeiro do ano de 1999 o governo federal extinguiu o DNOCS numa demonstração de irresponsabilidade e falta de compromisso com o povo nordestino.
Em 2012 o Nordeste vivencia a pior seca dos últimos 30 anos, a pecuária e agricultura familiar são dizimadas quase que na totalidade. Esta seca se prolonga no ano de 2013, onde é tida como a pior dos últimos 50 anos e vem se prolongando em algumas regiões neste ano de 2014. Em muitas cidades o sistema de abastecimento colapsou dependendo de carros pipa e construção, às pressas, de adutoras de engate rápido, nem sempre a melhor solução.
O Nordeste é uma das áreas mais sensíveis aos impactos produzidos pela mudança climática em curso, decorrente do aquecimento global. A dedução resulta dos dados reunidos pela quinta edição do Painel Intergovernamental da ONU para Mudanças Climáticas (IPCC), que se reuniu em Tóquio, no Japão. O risco da desertificação intensificar-se-á com o aumento da aridez do solo, a redução das chuvas e a intensificação dos períodos de seca.
O alarme soou mais forte para o Nordeste diante da constatação de que o regime de chuvas, as correntes marinhas e o padrão dos ventos estão sendo perturbados, aumentando a tendência de secas. Não dá para esperar por uma solução global, é preciso desde já que a região se prepare para o que teremos pela frente, já que será uma das mais atingidas. Isso requer a colocação dessa questão como ponto estratégico de qualquer política pública regional. Buscar os meios para se adequar a essa situação deve ser uma prioridade nacional, pois sem um Nordeste viável o Brasil não alcançará seus objetivos nacionais.
Prenuncia-se uma nova seca do quinze em 2015, com conseqüências muito piores do que a de 1915, pois a população é bem maior e com demandas de toda ordem, na agricultura, pecuária e abastecimento humano. E é neste contexto que se encontra parada a reestruturação do DNOCS, ainda no Ministério do Planejamento, sem andamento ou explicação plausível para o seu não deslinde.
Ocorrendo nova seca e o DNOCS sendo mantido sem condições de participar do seu combate, combalido e carente de uma estrutura condizente com os novos desafios para a convivência com os períodos de secas que advirão no futuro, será demonstração cabal de ausência de sensibilização de quem fica criando dificuldades para a requalificação e renovação do órgão que assim está impedido de bem trabalhar para o povo do Nordeste e do Brasil.