A vazão da transposição
Por Evandro Bezerra
Engenheiro Agrônomo – Diretor de Ação Social da ASSECAS
O problema da água é sério, ou melhor, é seríssimo. Segundo o Deputado Raimundo Gomes de Matos a vazão da transposição precisa ser revista, pois a mesma não contempla vários projetos econômicos para o Nordeste, como o Complexo Industrial e Portuário do Pecém, no Ceará. A bem da verdade, alguns nostálgicos governantes cearenses não sabiam, ou se sabiam fizeram ouvido de mercador, que no próprio Vale do Rio São Francisco sempre existiu e, ainda perdura, um grande conflito pela água entre Chesf e Codevasf, a primeira alegando a produção de energia elétrica e a segunda a implantação e operação de projetos de irrigação.
À evolução histórica institucional da transposição se seguiu a evolução histórica das vazões em espaço de tempo menor que a primeira. A segunda, então, nasceu com 800 m3/s passando a 300 m3/s, 180 m3/s, 50 m3/s e finalmente a 26 m3/s taxada de garantia hídrica quando antes seria de modo contínuo. Pelo sim, pelo não, esta é a outorga da Agência Nacional de Águas que coincide com a insignificante percentagem de 1,2% da vazão após Sobradinho para os Estados receptores depois de muitas divergências, que está muito aquém, mas muito aquém mesmo, das disponibilidades hídricas sociais de alguns Estados nordestinos como, por exemplo, o Ceará, que é em torno de 429 m3/habitante/ano. O Complexo Industrial e Portuário do Pecém foi, também, uma obra eleitoral e impensada. Como, então, destinar água para atividade econômica supracitada e também, para irrigação, que sempre foi um dos objetivos do projeto?
O Ceará tem água? O rio São Francisco tem água para alimentar a inserção Regional e a Sinergia Hídrica contemplada no projeto? O Ceará tem água para alimentar a siderurgia, tem mercado consumidor, tem matéria-prima para siderurgia?
O deputado Raimundo Gomes de Matos tem razão, segundo o seu pensamento, os idealizadores e elaboradores do projeto não levaram em consideração uma realidade mundial que é o aquecimento global e a realidade hídrica do São Francisco, relacionada à disponibilidade hídrica e social daquele rio e do estado do Ceará.
A disponibilidade hídrica social preconizada pela ONU é de 1.000 m3/habitante/ano. Mesmo com a sinergia hídrica proporcionada pela transposição a vazão prevista para o Ceará não atenderia, também, as necessidades humanas, com uma vazão irrisória, de apenas 8 m3/s. Como, então, rever tal vazão se tem que ser observado os usos na bacia do São Francisco e que mesmo sem transposição a água do Velho Chico está comprometida? De 2002 para cá ele secou três vezes, as hidrelétricas rio abaixo pedem socorro. O rio secou nas suas nascentes e muitos dos seus afluentes, também. E no quadro atual de secas que pode prolongar-se como rever tal vazão? Como rever a vazão se a mesma não dá nem para atender a disponibilidade hídrica, social do Ceará e dos outros estados receptores?
Quem é o responsável pela situação atual do Rio São Francisco? A agressão causada pelo homem, com a prática do desmatamento. A vegetação é um elemento condicionante da seca, e enquanto termostato natural, a sua destruição contribui para acelerar o fenômeno da estiagem. Roguemos pela revitalização do Velho Chico e, também, das bacias receptoras nordestinas através de projetos de reflorestamentos. A Caatinga, apesar de constituir-se na penúltima forma biofísica antes do aparecimento do deserto, como toda vegetação, embora não economize água, ela regulariza o ciclo das chuvas retendo 30% destas, impedindo o assoreamento de rios, açudes e drenos.
Fonte: Jornal O Estado