Barragens de Deus

Por Geraldo Duarte

A história ou, melhor, a epopeia do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) sempre me encantou. Dois anos de trabalho, na juventude, como auxiliar de engenheiro, forjaram-me exemplos de brasilidade e civismo inesquecíveis e dignificantes. Testemunhei momentos os mais sofridos, não somente dos padecentes cassacos, como a si mesmos se tratavam os flagelados das frentes de trabalhos, mas, por igual, os dos que laboravam para lhes minorar as desgraças do brutal sofrimento. A todos os momentos, levas de maltrapilhas e famélicas famílias, tangidas pela poeira do vento, sob a inclemência do sol, chegavam estropiadas nos acampamentos das obras emergenciais. Crianças desnutridas, idosos doentes, homens cansados e respeitadores dos desígnios da natureza não esmolavam, não delinquiam. Buscavam trabalho. Honravam-se com o suor da face e o que lhes restava de força braçal. E, assim, construíram as grandes obras na caatinga nordestina. Mês passado, usei deste espaço para com o artiguete Cem anos de lutas prestar singela homenagem aquele Departamento. Hoje, o faço a todos os braços e mentes que, direta ou indiretamente, participaram de suas pelejas e vitórias. Agora, aqui, o externar da preocupação de um leigo, porém curioso, que conheceu a tragédia de uma das mais cruéis de nossas secas e os serviços de seu enfrentamento. Vi e ouvi um debate televisivo denominado “Os cem anos do DNOCS”. Quatro técnicos comentaram temas pertinentes. Mostraram os esvaziamentos funcional e estrutural do órgão. Assuntos importantes, filigranas políticas e alguns semprismos de somenos. O atual e o ex-diretor-geral, um renomado técnico em piscicultura e um cientista em hidrologia fizeram-se mais expositores do que debatedores. Nem crítica, nem autocrítica. Somente esperanças. E de pouca fé, ao que deixaram transparecer. Atento, do princípio ao fim, de um ouvi algo como a sugerir que as obras do DNOCS são tão perfeitas que, até hoje, nenhuma das longevas barragens dos mais de 300 açudes, mesmo sem manutenção, registrou acidente. São as barragens de Deus! Oremos!

Fonte: Diário do Nordeste