Contaminação ameaça açudes
Por Cássio Borges
Ainda está cedo para se fazer uma análise dos impactos positivos e negativos que o Castanhão irá promover no vale do Jaguaribe, mas a reportagem desse jornal, acima referida, sobre a contaminação das águas dos açudes do Ceará merece maior atenção das autoridades
No dia 17 de julho último, os especialistas da área de recursos hídricos do Estado do Ceará e todos leitores desse conceituado jornal foram brindados com uma brilhante e oportuna reportagem sob o título “Contaminação Ameaça Açudes” que, em última análise, adverte que “os grandes açudes do Ceará correm risco de eutrofização (excesso de nutrientes que geram algas tóxicas)”. Não menos oportuno, e com profunda análise técnica, foi o Editorial publicado, no dia seguinte, sob o título: “SOS para Açudes”, no qual o editorialista, ao fazer referência à reportagem do dia anterior, minimiza: “Contudo, por mais preocupante que seja a situação, ainda não é a catástrofe ecológica tipo Mar do Aral. Deve haver uma solução pelo menos a médio prazo”.
No livro que escrevi, em 1998, sobre a barragem do Castanhão (“A Face Oculta da Barragem do Castanhão”), construída com capacidade de acumulação de 6,7 bilhões de m3, sendo, portanto, o dobro de todas as demais existentes no Estado do Ceará, eu dizia no Capítulo XX – A Questão Sanitária do Baixo Jaguaribe, página 186, que “O açude Castanhão poderá passar por longos períodos sem sangrar: de 10 a 20 anos”, fato este que poderá comprometer, seriamente, a qualidade das águas nele acumuladas e, em conseqüência, as condições sanitárias do Baixo Jaguaribe. As observações que escrevi no livro em referência ou em artigos para os jornais locais, decorriam da existência “na bacia de contribuição do Castanhão, de cerca de 50 cidades (665.652 habitantes-1998) e nenhuma delas ser dotada de disposição adequada de esgotos, os quais são lançados “in natura” no rio Jaguaribe, ou em seus tributários” (página 188). Isso sem levarmos em conta outros fatores que, também, potencialmente, contribuem para o comprometimento da qualidade da água, tornando-a imprópria para o consumo humano. Fatores esses, como “a distribuição populacional nas áreas do Baixo Jaguaribe, concentrada em cidades, distritos, vilas, povoados e difusa no meio rural, e o conseqüente progresso, promovendo o crescimento industrial, gerando fatores de poluição distribuídos temporal e espacialmente na região”.
À época, quando ainda não existia a barragem do Castanhão, em artigos, eu dizia: “Nas condições vigentes (sem o Castanhão) o rio Jaguaribe ainda está atendendo a um ciclo de escoamento onde, nos períodos chuvosos, as vazões de enchentes tendem a promover efeito apreciável de varredura (limpeza) e diluição das cargas poluidoras mal manejadas por falta de atuações sanitárias adequadas. Com o corte do curso d’água natural pelo açude Castanhão, as enchentes do Baixo Jaguaribe deverão provir, durante vários anos seguidos (10 a 20anos, período em que o açude Orós também deixará de sangrar) tão somente da bacia residual do rio Salgado, de 9.100 km2. Em outras palavras, o açude Castanhão, que tem um bacia de contribuição pluviométrica total de 42.758 km2 (incluindo a do Orós, de 23.618 km2), ficará restrito a apenas à bacia do rio Salgado, de 19.140 km2. Será que ela é capaz de realizar a recomposição sanitária da região?”.
Muitas pessoas, pelo fato de o açude Castanhão ter sangrado no ano de 2004, praticamente no primeiro ano de sua construção, podem imaginar que a minha tese de que ele poderá passar de 10 a 20 anos consecutivos sem sangrar está, comprovadamente, desfeita. É um engano de quem assim pensar, pois, se verificarmos a série histórica de vazões do rio Jaguaribe, podemos observar que a enchente de grande proporções que antecedeu à de 2004 foi a de 1985, Portanto, é fácil concluir que o Castanhão, se já estivesse construído, digamos, no segundo semestre do ano de 1985, teria ficado sem sangrar por exatos 19 anos. A maior comprovação dessa assertiva é o açude Orós, 3,5 vezes menor do que o Castanhão, ter passado 15 anos seguidos sem sangrar: a partir do ano de 1989 até o ano de 2004. Outras enchentes excepcionais que ocorreram em nossa região foram as de 1924 e a de 1974, num intervalo de 50 anos, no qual o Castanhão, se estivesse construído, poderia ter passado muito mais do que os 20 anos consecutivos sem extravasamento referidos em meu livro.
Ainda está cedo para se fazer uma análise dos impactos positivos e negativos que o Castanhão irá promover no vale do Jaguaribe, mas a reportagem desse jornal, acima referida, sobre a contaminação das águas dos açudes do Ceará, que não poupou, sequer, o Canal da Integração, merece maior atenção das autoridades.
Fonte: Opinião – Jornal O Povo