Dnocs novamente na Berlinda

Por Cássio Borges

Na coluna Vertical do O POVO, li declaração do superintendente da Agência Nacional de Águas, Lopes Viana: “o Governo Federal vai mesmo criar um organismo para gerir as águas da transposição do Rio São Francisco”. Como cidadão, com mais de 50 anos lidando com a problemática hídrica do Nordeste, através do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), não poderia deixar de dar, mais uma vez, a minha opinião contrária a tal decisão.

Em 2009 escrevi neste jornal o artigo “Gestão da insensatez” no qual fiz comentário a respeito de matéria da Folha de São Paulo na qual foi dito que o Ministério da Integração Nacional iria “propor a criação de um entidade exclusivamente para operar o Projeto de Interligação do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional”. Que “uma empresa privada será contratada para fazer a operação e manutenção do sistema”. No artigo, eu disse que a criação da referida entidade seria “um absurdo dos absurdos”, até porque ela somente deveria ser acionada, caso criada, em períodos críticos de baixas precipitações pluviométricas na Região ficando, portanto, grande parte do tempo ociosa.

No século passado tivemos períodos críticos de grande duração, de cinco, seis e até oito anos consecutivos. Vale citar ainda o de 1991 a 1993 quando os açudes da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) secaram totalmente e a Capital ficou ameaçada de um caos no abastecimento de água. Na ocasião, no governo de Ciro Gomes, foi construído, emergencialmente, o Canal do Trabalhador que trouxe água do Açude Orós para a RMF. Estatisticamente, poder-se-ia dizer que o projeto de integração do São Francisco só irá funcionar 40% do tempo ou dos anos se tomarmos como referência os ciclos hidrológicos do século passado.

Se tomarmos como referência o atual século, chegaríamos à conclusão de que, a partir de 2004, o Açude Castanhão, construído desde o fim de 2003, não precisaria, ou não teria precisado de qualquer reforço de vazão do Projeto do São Francisco para cumprir suas finalidades, uma delas a de reforçar o abastecimento de água da RMF.

Este fato, com dados concretos, reforça a tese de que o projeto poderá ficar anos seguidos ocioso. Criar uma nova entidade no Nordeste tem raízes mais profundas do que o de determinar um sistema de gestão para o projeto do São Francisco. Isto faz parte da estratégia neoliberal, que, no fim da década de 90, extinguiu o Dnocs, no governo de Fernando Henrique, sem a mínima reação do então governador do Ceará e a omissão de sua Secretaria de Recursos Hídricos.

Esse pessoal que apoiou a extinção do Dnocs é o mesmo que, sob a liderança de grupos paulistas comandou a elaboração da famigerada Lei das Águas, 9.933/97. Além de não fazer a mínima referência aos rios intermitentes do Nordeste, essa lei omitiu a existência dos dois mais importantes organismos da Região, a Sudene e o Dnocs. Difícil é acreditar por que a bancada nordestina no Congresso aprovou a lei, a mesma bancada que, num movimento reivindicatório uníssono, ressuscitou o Dnocs, graças a uma medida provisória, também assinada por FHC, quatro meses depois de sua extinção.

Fonte: Opinião – Jornal O Povo