Enchentes no Vale do Jaguaribe

Por Cássio Borges

Publicou O POVO, no dia 10/5, que o açude Castanhão já está acumulando 6,4 bilhões de metros cúbicos (m3) de água, sendo sua capacidade máxima de 6,7 bilhões m3. Constatei que a vazão no posto fluviométrico na cidade de Jaguaribe (acima do Castanhão) tinha sido, no dia 11/5, de 1.415 m3/s, a máxima deste ano, estando sendo liberada pelo referido açude 800 m3/s.

Ao tomar conhecimento das informações acima, ocorreu-me traçar um paralelo entre as enchentes atuais no Vale do Jaguaribe com as do ano de 1985, as maiores até então verificadas naquela região do Estado do Ceará.

Ao saber que está entrando na bacia hidráulica do açude Castanhão uma vazão de 1.415 m3/s (a máxima neste ano), imediatamente me questionei qual estaria sendo a vazão com que estaria participando o açude Orós, o qual fica a montante (acima) daquele gigantesco reservatório, que possui uma capacidade de acumulação duas vezes e meia a da Baia de Guanabara, no Rio de Janeiro. Aliás, o açude Castanhão recebe água não apenas das vazões de sangria do açude Orós (25.000 km2) como da bacia do Rio Salgado (19.000 km2), a qual não tem nenhum controle por barragem de grande porte.

A lâmina máxima alcançada este ano no sangradouro do açude Orós foi de 1,76 m, valor este correspondente a uma vazão de 458 m3/s. Portanto, a contribuição do Rio Salgado, para o açude Castanhão, deve ter sido da ordem de 957 m3/s, perfazendo o total de 1.415 m3/s. Esses valores, comparados com os de 1985, me dão a plena convicção de que as atuais enchentes foram bastante inferiores às daquele ano. É suficiente observar que, no dia 3 de maio de 1985, a lâmina máxima alcançada no sangradouro do açude Orós foi de 4,78m (2.200 m3/s), enquanto a atual foi de apenas 1,76m (458 m3/s), como acima foi dito.

Um relato completo sobre as enchentes verificadas no Vale do Rio Jaguaribe, no ano de 1985, consta de um trabalho técnico que apresentei no VI Simpósio Brasileiro de Hidrologia e Recursos Hídricos, realizado em São Paulo, no período de 11 a 14 de novembro daquele ano. Naquele trabalho, denominado “As Enchentes no Vale do Jaguaribe: Dimensões, Frequencia e Alternativas de Controle”, observa-se que as máximas vazões afluentes (que entram no reservatório) registradas na seção do açude Orós foram, em 1974 e 1985, 4.252 m3/s e 4.197 m3/s, sendo suas correspondentes vazões efluentes (que saem do reservatório) 2.675 m3/s e 2.200 m3/s.

É importante, ainda, assinalar que, em 1985, a vazão máxima no posto fluviométrico do Rio Jaguaribe, localizado na ponte da BR-116, em Peixe Gordo, foi de 5.600 m3/s, enquanto neste ano foi de 2.156 m3/s, no dia 13/5. Caso a barragem do Castanhão não existisse, em situação do Rio Jaguaribe idêntica ao que era em 1985, a vazão máxima no corrente ano, naquele local, teria sido de 2.156 m3/s que, acrescida da vazão máxima retida na barragem do Castanhão (615 m3/s), totalizaria 2.771 m3/s. Portanto, os dados do sangradouro do açude Orós e os do posto fluviométrico em Peixe Gordo, embasam a minha plena convicção de que, conforme por mim já expressado no quarto parágrafo acima, as enchentes deste ano no vale do Rio Jaguaribe foram bastante inferiores às do ano de 1985.

Cássio Borges – Eng. civil e ex-representante da Regional Nordeste (1985) da Ass. Bras. de Hidrologia e Recursos Hídricos-ABRH e ex-Chefe da Divisão de Hidrologia do Dnocs

Fonte: Opinião – Jornal O Povo