Estresse de Água
Por Cássio Borges
No meu último artigo publicado neste jornal, no dia 19 de fevereiro último, sob o título ”Os Rumos da Transposição”, dizia que os opositores do Projeto de Interligação de Bacias do Rio São Francisco com as bacias do Nordeste setentrional usavam de argumentos estapafúrdios para justificarem seus posicionamentos contrários à realização desse empreendimento. Citei o caso da incompreensível oposição do Estado de Minas Gerais que, no meu entendimento, não tem nada a ver com essa questão. Digo isto porque o ponto de captação da água (estação de bombeamento) do referido projeto, situado a altura da cidade de Petrolina-PE, está nada mais, nada menos do que a 2.000 quilômetros (pasmem!) distante daquele estado. Em que, ou no que, o Estado de Minas Gerais será prejudicado com esse projeto? O mesmo se pode dizer do Estado da Bahia que continuará com suas águas intocáveis nos 900 quilômetros percorridos pelo Rio São Francisco no seu território. Alagoas e Sergipe estão reclamando, como se diz na gíria, de ”barriga cheia” para melhor caracterizar com esta expressão popular a posição incompreensível, nada coerente, daqueles dois estados. Isto porque anterior à construção da barragem de Sobradinho (um empreendimento federal) o Rio São Francisco tinha uma vazão mínima, em sua foz, da ordem de 700 m3/s. Atualmente, graças àquele reservatório, a vazão continua naquele estirão é de 2.060 m3/s. O que vão fazer esses dois estados com tanta água? Simplesmente, contemplar serem desperdiçadas para o mar. É só o que podem fazer. Enquanto isto negam para o Nordeste semi-árido, a ínfima quantia de 26 m3/s, uma ”cuia d’água”, como disse o Presidente Lula da Silva. De relance, vale a pena comentar, o que disse em artigo na Folha de São Paulo, no dia 20 de fevereiro último, o geógrafo Aziz Ab’Saber, diga-se de passagem um eminente brasileiro, que em relação a esse empreendimento, simplesmente o colocou na vala comum dos projetos fantasiosos ao afirmar que os que o defendem são ”pseudostécnicos”, como se nós nordestinos fossemos obrigados a aceitar todas as blasfêmias ditadas pelos nossos irmãos sulistas que nos vêem sob o estigma da ”indústria das secas”… . Bendita ”indústria” que viabilizou todas as formas de vida em nossa região, uma das mais áridas do planeta.
Outra alegativa inaceitável que os opositores do projeto da interligação de bacias se fundamentam é que nossa região tem muita água, portanto ”água não é problema”. O conceituado Consultor Nacional da Comissão Pastoral da Terra-CPT, Roberto Malvezzi, ancorado nesta tese, em amplo artigo, cometeu seu maior pecado ao afirmar, no caso do Ceará, tomando como exemplo, que a capacidade total da água armazenável nos açudes já construídos, de 15,5 bilhões de metros cúbicos, era ”água disponível”. Em carta que fiz para aquele ilustre Consultor, mostrei o engano por ele cometido dizendo-lhe que dos 15,5 bilhões de metros cúbicos de água acumuláveis, apenas 20% pode ser considerado como ”água disponível” para os diversos usos. Isto, em vista da evaporação que aqui chega ao elevado índice de 2.500 milímetros, enquanto chove, em média, no sertão, apenas 600 a 700 milímetros, havendo um déficit hídrico da ordem de 1.800 milímetros que só pode ser compensado pela construção de açudes ou, no caso, pela importação de água de outras bacias vizinhas. Malvezzi calculou, equivocadamente, a disponibilidade hídrica social do Estado do Ceará como sendo de 2.279 m3/hab/ano, porém corrigindo o erro que ele cometeu, no que diz respeito à questão da ”água disponível”, este valor chega a ser de apenas nº 453 m3/hab/ano.
Se levarmos esse dado para a classificação da ONU, chega-se à preocupante conclusão de que o Estado do Ceará situa-se bem abaixo da condição de ”estresse de água”, ou seja, a disponibilidade hídrica social por habitante é bastante menor do que os 1.000 m3/hab/ano. Mais grave ainda, que menos de 500 m3/hab/ano que, como foi visto, é o caso real do Estado do Ceará, significa sério problema de ”escassez de água”, segundo àquela organização mundial.
Fonte: Opinião – Jornal O Povo