Gestão da insensatez

Por Cássio Borges

Como engenheiro e ex-chefe da Divisão de Hidrologia do Dnocs, tenho acompanhado o desenrolar das discussões em torno do Projeto de Transposição de Vazões do Rio São Francisco (denominação original) desde o ano de 1972. Daí para cá, direta ou indiretamente, através de mais de meia centena de artigos, trabalhos técnicos, reuniões, seminários e congressos, onde se fazia necessária a minha presença para defender esse empreendimento, também em entrevistas em jornais, rádios e televisão, tenho acompanhado ‘pari passo” todas as fases de transformações deste projeto, desde as discussões em torno da vazão a ser transposta de 320 m3/s, passando para 280 m3/s, até o estágio atual de 25 m3/s, para muitos considerada insignificante.

Não há dúvida que este é um projeto gigantesco, não apenas pelo seu elevado custo de construção, mas pelo dispendioso custo de operação e manutenção, cujos resultados práticos de benéficos a serem gerados deve ser visto sob o prisma de uma competente análise econômica. Mas esse projeto não pode ser encarado com exagerada euforia, pois muito mais importante do que ele tem sido o meritório trabalho realizado pelo Dnocs em toda a região nordestina. Para que o leitor entenda o meu ponto de vista vou tomar como exemplo o vale do rio Jaguaribe. O Dnocs colocou, através dos seus açudes, à disposição de sua população, nada menos do que 40 m3/s de vazão regularizada (com 100% de garantia), enquanto do projeto de transposição, da distribuição de 25 m3/s para os Estados do Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco, restarão para o Vale do Jaguaribe apenas 7 m3/s, menos do que os 12 m3/s da vazão regularizada do açude Orós, atual Juscelino Kubitschek. Não quero, com isto, minimizar a importância do referido projeto que, ao se tornar realidade, como acredito, terá sido uma iniciativa vitoriosa e corajosa do Governo de Lula da Silva e o povo nordestino lhe será eternamente grato por isto.

Essas considerações vêm a propósito de uma matéria publicada na Folha de São Paulo, do dia 8 último, na qual foi dito que o Ministério da Integração Nacional vai propor a criação de uma entidade exclusivamente para operar o Projeto da Interligação da Bacia do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional, como agora é chamado. Diz, ainda, que uma empresa privada será contratada para fazer a operação e manutenção do sistema. Considero isto o absurdo dos absurdos, até porque, a grosso modo, este projeto somente deverá ser acionado em períodos críticos, o que o tornará ocioso em grande parte do tempo. Não se pode, nem de leve, admitir, que uma água, de elevado custo, vinda do rio São Francisco, a quase mil quilômetros de distância, possa competir com as águas oriundas dos açudes do Dnocs, de custo praticamente zero. Ou será que os burocratas de Brasília desejam, como está parecendo, centralizar na Capital da República todas as decisões sobre o Semi-Árido nordestino?

Fonte: Jornal O Povo