Jaguaribe em questão
Por Cássio Borges
Dizer que o Estado do Ceará dispõe de 215 m3/s de vazão disponível é tão absurdo e incoerente como afirmar que o Rio São Francisco só dispõe de 360 m3/s, como afirmam os opositores do Projeto de Interligação de Bacias Jaguaribe em questão
Um dos críticos mais cáusticos do Projeto de Interligação do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional é o professor João Abner Guimarães Junior, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Ele próprio diz já ter feito mais de 100 palestras por esse Brasil afora, o que bem demonstra o seu empenho pessoal de, a todo o custo, obstacularizar a realização desse empreendimento.
Fico até admirado do porquê o referido professor se dedica com tanto ardor e paixão a esse desiderato, sob o argumento de que o Estado do Ceará dispõe, segundo ele, de uma vazão disponível de 215 m3/s. Não que ele tenha elaborado algum estudo técnico para ter chegado, com seus próprios conhecimentos, a essa conclusão. Diz, simplesmente, que tal valor ele viu no site da COGERH-Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Estado do Ceará e tomou isto como uma verdade absoluta, apesar de eu próprio já lhe ter dito, em dois debates que participamos, de que se tratava de um lamentável e injustificável engano daquela Companhia. Mas, ele continua insistindo nessa mesma tese para dizer que “água no Ceará não é problema”. Não quero dizer que o referido professor cometeu uma veleidade, pois se ele viu, de fato, esse valor no site da COGERH, sem dúvida, é uma dado oficial do Governo do Estado do Ceará.
Dizer que o Estado do Ceará dispõe de 215 m3/s de vazão disponível é tão absurdo e incoerente como afirmar que o Rio São Francisco só dispõe de 360 m3/s, como afirmam os opositores do Projeto de Interligação de Bacias. Se assim fosse, somente o Estado do Ceará teria, praticamente, o equivalente a 60% da disponibilidade hídrica do Rio São Francisco, que não cabe na cabeça, sequer, de um leigo. O próprio professor João Abner, que é da Região, e, segundo consta, leciona a cadeira de Hidrologia na UFRN, poderia, apenas pela lógica e pelo bom senso, ter admitido que aqueles 215 m3/s, que ele disse ter visto no site a COGERH, nada mais era do que um inadmissível e indesculpável engano.
Mas tudo pode ter um resquicio de verdade. Recentemente, tive em mãos uma publicação da Secretaria de Recursos Hídricos do Estado do Ceará (ano 2006), que ao se referir, na página 40, à barragem do Castanhão, diz que, graças àquele reservatório “a vazão regularizada do Rio Jaguaribe passou de 22 para 57 m3/s”. Pelo visto, o açude Castanhão está aí contribuindo com 35 m3/s. Tal afirmação mostra mais um descuido daquela Secretaria. Primeiro, porque o Vale do Jaguaribe não dispunha somente de 22 m3/s “anterior à construção da barragem do Castanhão”. Só os açudes Orós (12 m3/s) e Banabuiú (11 m3/s), dão um total de 23 m3/s. Antes da barragem do Castanhão o Vale do Jaguaribe tinha cerca de 27 m3/s, considerando todas as barragens então existentes.
O fato é que os autores da citada publicação ao se referirem aos 22 m3/s disponíveis no vale do Rio Jaguaribe, “anterior à barragem do Castanhão”, esse valor, de acordo com a hidrologia tradicional, está referida a uma eficiência de 100% de garantia. Mas quando se referem a “um aumento de 35 m3/s, graças à barragem do Castanhão”, essa vazão está associada a um artifício estatistico com 90% de garantia. O certo seria dizer: “a vazão regularizada do Rio Jaguaribe, com o açude Castanhão, passou de 27 para 46 m3/s”, ambos valores referidos a 100% de garantia, como manda a hidrologia, sem subterfúgios estatisticos. Nesse caso, Castanhão teria aumentado a vazão do Rio Jaguaribe em 19 m3/s, em vez de 35 m3/s. É nessa ambiguidade de números e de equívocos que o professor João Abner se apega para dizer que “água no Ceará não é problema”. Mas isso tem que ser esclarecido para a sociedade técnico-científica do nosso Estado.
Fonte: Opinião – Jornal O Povo