O Atlas da ANA e o DNOCS
Por Cássio Borges
Quem, para conhecer a História da Colonização do Semi-Árido nordestino, se debruçar na literatura existente, por certo, vai tomar conhecimento da luta, gigantesca, do homem contra o meio físico da região. Verá o quanto foi determinante o papel do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas-DNOCS, desde os primórdios do século XX, quebrando os mais difíceis obstáculos impeditivos da consolidação da conquista desta, quase impenetrável, parte do solo pátrio. Num esforço ingente de combinação de técnica, decisão política e compromisso humano, o DNOCS, no seu quase um século de existência, fez o misterioso e rude semi-árido nordestino se aproximar, artificialmente, das condições físicas, então, naturalmente oferecidas pela Zona da Mata e pelo Meio Norte maranhense. Não é, pois, sem fundamentação que os técnicos e servidores do DNOCS se regozijam e se orgulham de sua contribuição à região.
Para que brasileiros e nordestinos, da atual geração, possam avaliar o que era o semi-árido da época “pré-DNOCS”, recomendo a leitura do livro “No Rastro do Boi”, de autoria do engenheiro-agrônomo Ésio de Souza, publicado no ano 2.000, no qual ele descreve, num misto de realidade e ficção, a longa caminhada de uma boiada da Zona da Mata pernambucana para o desolado semi-árido cearense. No livro, o autor reproduz as agruras de que padecia o nordeste semi-árido, do último quartel do século XVIII, nos seus múltiplos aspectos: homem, flora e fauna. Uma obra geopolítica, onde “o leitor é levado a imaginar o quanto foi difícil e penoso povoar o desconhecido e misterioso semi-árido nordestino” e quanto ainda continua sendo doloroso construir, no presente, um cenário mais digno e justo para a sobrevivência de sua população.
Estas considerações iniciais sobre a colonização do Nordeste brasileiro vêm a propósito do “Atlas Nordeste”, publicado, recentemente, pela Agência Nacional de Águas-ANA, no qual ela elaborou estudos isolados de planejamento para suprir os déficts urbanos de abastecimento de água para as sedes de l.112 municípios da região. O Atlas não tem nada a ver com a questão da segurança hídrica da região e, por ser um atlas, não tratou dos usos múltiplos da água, nem da questão da produção de alimentos e nem da irrigação. Portanto, não pode ser considerado um projeto e, muito menos, uma alternativa ao projeto da transposição de ínfima parcela das águas excedentes do Rio São Francisco para as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, este sim uma solução. Além disso, uma fundamental falha do referido documento é a completa ausência de citação do nome do DNOCS, como se toda a infra-estrutura hídrica, atualmente existente, fosse um bem que a natureza nos legou e que o Nordeste civilizado de hoje não tivesse nada ver com aquele Departamento, cujos méritos, voluntária, ou involuntariamente, há tempos, procuram desmerecer.
Fonte: Opinião – Jornal O Povo