O espaço regional nordestino e o Dnocs
Por Evandro Bezerra
Engenheiro Agrônomo – Diretor de Ação Social da ASSECAS
O fenômeno da seca no nordeste brasileiro criou uma dicotomia desenvolvimentista na região, baseada em dois estágios da vida da população nordestina: uma antes e outra depois do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs).
Antes do Dnocs, quando praticamente não havia sinais de desenvolvimento e, apenas, para citar um só exemplo, lembremos a seca de 1877-1879, quando não existia a rede de açudagem que existe hoje no nordeste brasileiro. Esta seca foi tão catastrófica que passou à história pelos incalculáveis prejuízos e mortes de pessoas. Há registro de que, em Mossoró, de uma população de quase quatro mil habitantes, ela chegou ao final de 1879 a 25.000 habitantes, só pela emigração, onde era comum a morte de pessoas pela fome, sede e/ou peste. No Ceará, o mais castigado, a emigração para a Amazônia, em virtude do ciclo da borracha, era de tal monta, que de uma população de quase 800.000 habitantes em 1878, 120.000 já tinham deixado o rincão cearense; outros morreram de fome e de enfermidades nos subúrbios de Fortaleza que, segundo Rodolfo Teófilo, o obituário de Fortaleza de 1877 a 1879 chegou a 65.163 pessoas, ao passo que no Estado como um todo, a mortalidade chegou a quase 500.000, ou seja, mais da metade da população.
Depois da rede de açudagem construída pelo Dnocs, sem citar outras realizações, cujo tempo é exíguo para tal, hoje, já não se não se observa mais, aquelas catástrofes. Instituído oficialmente pelo Decreto Lei Federal 7619, de 21 de outubro de 1909, com seus estudos preliminares da sua fase dita de reconhecimento regional, o Dnocs estudou a geografia da região Nordeste, a geologia, a hidrografia, a hidrogeologia, climatologia, meteorologia, cartografia, fitogeografia e botânica e, após estes, promoveu a construção de obras que se constituíram na sua fase de intervenção sistemática.
Sendo o pioneiro no tratamento da seca no Semiárido brasileiro, podemos concordar que foi o Dnocs o mentor da regionalização do espaço geográfico nordestino através do seu acervo monumental de obras, impedindo o êxodo da sua população para outras regiões do país, tônica dominante antes da sua existência. Por que querem extinguir o Dnocs agora?
Com fulcro nestas afirmações é que devemos pensar o Nordeste do ponto de vista da organização do espaço geográfico que não se comporta de maneira difusa, mas concentrada, onde a matriz da concentração do espaço nos é dada, pelas atividades econômicas, políticas e morais, sendo estas duas últimas significativas, porém as econômicas mais importantes e urgentes na vivificação de um espaço geográfico e, o que é mais importante ainda, dentro de um processo dinâmico e não estático como se estivéssemos decorando a imobilidade orgânica dos cadáveres no seu aspecto anatômico.
Foi isso o que o Dnocs fez e está fazendo ao longo dos seus 105 anos de existência quando fazemos o emprego da epistemologia dialética do ponto de vista prático no caso do Nordeste brasileiro. Para isso temos que recorrer à ciência geográfica, que é a ciência da ética apoiada na dialética instrumentalizada numa postura corológica, voltada para uma intervenção no espaço, objetivando a sua organização. Senão vejamos: Na tese, vamos encontrar o desafio através da seca e do subdesenvolvimento, na antítese, a resposta a esse desafio, através da açudagem, irrigação e outras medidas socioeconômicas e institucionais, cuja síntese se faz através da superação que resultou no crescimento e no desenvolvimento da nossa região, pois vejam bem, o Nordeste de hoje, não é mais o mesmo da seca de 1877-1879 quando não existia a açudagem, e repetindo, nem da seca de 1958 quando esta era incipiente. Essa é, pois, a aplicação prática da ciência geográfica dentro de uma visão dialética da doutrina de Toinbee envolvendo o Nordeste brasileiro quando se põe em evidência o desafio do meio natural e social, a tese, e a resposta a esse desafio, a antítese, e na junção dos dois, a síntese, que é a superação. A tese e a antítese na organização de um espaço geográfico formam a doutrina de Toinbee, cuja capacidade é responder, ou não, ao desafio natural correspondente ao avanço ou recuo no caminho da civilização e o seu evolucionismo. Destaque-se que o Nordeste evoluiu graças ao Dnocs e outras instituições regionais que vieram depois, mas principalmente ao Dnocs, com seu inegável acervo monumental de obras em favor da população carente do Nordeste brasileiro que hoje colhe decididamente no slogan da administração do Governo Dilma Rousseff: pois rico é pais sem pobreza.
Outra assertiva preocupante inserida na reestruturação do Dnocs é na inserção na mesma do combate á desertificação do Nordeste no seu complexo ecológico, pois o planeta terra é o combustível da vida, daí a idéia de que devemos preservá-lo e economizá-lo dentro do contexto ecológico, pois a ecologia é o metabolismo da natureza, é a transformação das substâncias físico-químicas em energia.
No Nordeste brasileiro, a luz solar e a insolação favorecem, intensamente, a reprodução vegetal, mas o seu excesso prejudica o crescimento dos ramos, folhas e raízes, com flora regional apresentando ramos curtos, caule relativamente grosso, mais baixo, e folhas espessas, arredondadas e pequenas, mas a sua biodiversidade é tanto acentuada quanto a da Amazônia. Por isso o combate à desertificação pela preservação da Caatinga de que tanto falava o mestre Guimarães Duque aliada aos recursos hídricos, hoje, é um dos pontos importantes desta luta, pois a caatinga, penúltima forma biofísica antes do aparecimento do deserto, ainda é o melhor laboratório para a investigação do Semiárido e o processo de desertificação, pois ela retém 30% das chuvas, impedindo ainda o assoreamento de 20% dos rios e açudes, pois a vegetação, embora não economize as águas, no entanto, regulariza o ciclo das chuvas. Daí a importância do reflorestamento nesta área, com vegetação do tipo galeria ao longo dos rios, lagos e açudes. E para tocar esse projeto, nada mais nada menos indicado que o Dnocs que já vem atuando na área há 105 anos, pois, o aquecimento global é uma realidade dentro das mudanças climáticas que vem acontecendo no mundo todo, uma vez que a sua experiência na gestão dos recursos hídricos em rios intermitentes, é reconhecida em todo o planeta.
De acordo com o Observatório de Meudon da França, em 60 anos, 1939-1999, o ângulo da obliqüidade da eclíptica da Terra diminuiu 30” e, quando isso ocorre para um máximo ou para um mínimo ocasionam modificações na estrutura climática da terra. Essa diminuição de 30”, passando de 23°27’08” para 23°26’38” é que está sendo responsável pelo ciclo das secas que está acontecendo na atual década do presente século, incluindo aí, as alterações da radiação solar nas projeções da curva do clima astronômico.
Fonte: Jornal O Estado