O Nó Górdio da Transposição União quer criar órgão para gerir transposição, engenheiro cearense é contra

Por Cássio Borges

Em recente viagem que empreendemos   a  Salgueiro-PE  para participar de uma reunião com todos os Presidentes dos CREAs do Nordeste, ocasião em que  fizemos  uma palestra sobre o Projeto de Integração da Bacia do Rio São Francisco com as Bacias  de Rios do Nordeste Setentrional,  tomamos  conhecimento de que o gargalo desse empreendimento está no alto custo de sua manutenção e operação. Aliás, diga-se de passagem, isto não nos causou nenhuma surpresa. São quase 800 quilômetros de canais adutores e principais,  açudes,  aquedutos, estações de bombeamento, medidores de vazão, estradas vicinais, etc.

A CHESF-Companhia Hidrelétrica do São Francisco, segundo soubemos, desistiu de assumir a gestão desse Projeto devido a grande  quantidade de usuários para controlar e cobrar pelo uso da água que, convenhamos,  não é de sua especialidade. Este é o grande problema para qualquer  empresa privada que vier a  se instalar na Região visando auferir  lucros, ou pelo menos, não ter prejuízos. Essa organização vai ter que criar uma imensa infraestrutura organizacional nos quatro Estados beneficiados, o que, com certeza, não compensaria financeira e economicamente.

Criar uma entidade federal exclusivamente para esse fim seria uma insensatez já que existe o DNOCS com toda a sua centenária experiência, internacionalmente reconhecida,  e possuidora da maior e mais bem montada infraestrutura  técnica, administrativa e operacional por  toda  Região nordestina. A comprovação desta relevância institucional do DNOCS foi, este ano, reconhecida em reunião do Conselho Mundial da  Água (World Water Council) ao aprovar o seu ingresso naquela entidade internacional.

Estabeleceu-se um princípio de que a saída para resolver todos os problemas hídricos de nossa Região seria a cobrança pelo uso da água ao longo dos rios. Quando se fala em cobrança pelo uso da água não se  comenta o elevado custo operacional, incluindo  pessoal de campo e escritório, além dos custos administrativos.  Como exemplo, a COGERH – Companhia de Gestão e Recursos Hídricos do Estado do Ceará, que dispõe de  cerca de 500 funcionários entre pessoal técnico e administrativo, além de outras entidades estaduais ligadas ao assunto para gerir, apenas, os recursos hídricos do Estado do Ceará.  Quanto custa essa estrutura?  Como é investido o dinheiro que a COGERH arrecada a cada ano (trinta e cinco milhões de reais no ano de 2009) pelo fornecimento de água bruta à CAGECE advinda dos açudes construídos pelo DNOCS?  Qual a participação da COGERH no que concerne ao Termo de Cooperação Técnica celebrado por este órgão com o DNOCS, quando determina a aplicação dos recursos financeiros arrecadados na operação e manutenção das barragens?

Não queremos que as indagações acima  sejam interpretadas como uma reprovação à existência da COGERH que, no nosso entendimento, tem um papel importante a desempenhar em cooperação com o DNOCS, não só nas bacias hidrográficas do  Estado do Ceará, como no gerenciamento do Projeto de Transposição, em nível estadual.  São perguntas que a comunidade  técnica-científica tem que conhecer  as suas respostas e, de forma isenta, de qualquer tipo de interesse,  analisá-las nos seus vários aspectos,  já que aquela Companhia foi citada na reunião do Colégio de Presidentes dos CREAs do Nordeste, realizada em Salgueiro-PE, como um modelo que deve ser imitado pelos demais Estados da Região.   Daí a importância dessa discussão.

Quanto à  “gestão da água”, isso o DNOCS sempre fez com eficiência e competência, apesar dos parcos  recursos financeiros destinados  para esse específico objetivo. Era, e sempre foi,  uma atividade importante realizada  pelo órgão, desde os primórdios de sua existência, diga-se de passagem, sem alardes e propagandas. Basta olhar para a infraestrutura hídrica, madura e inquestionável, que aquele Departamento Federal  implantou e vem operando desde quando foi criado no ano de 1909, portanto  há mais de 100 anos.  Para quem não sabe, o DNOCS possui o maior acervo de dados hidrométricos (pluviométricos, evaporimétricos  e fluviométricos) da América Latina.

Para o leitor deste Blog avaliar, o Estado do Ceará tem cerca de  18 bilhões de metros cúbicos de águas acumuláveis  nos açudes públicos e privados,  tanto na área federal como na estadual. Deste total,  o DNOCS monitora 85%, enquanto  a COGERH monitora apenas 15%.   Entretanto,  dos 130 açudes existentes  no Estado do Ceará, o DNOCS monitora 60, enquanto  a  COGERH monitora 70.  Para esse objetivo, graças a sua  estrutura administrativa e de pessoal para as suas diversas atividades,   o DNOCS disponibiliza apenas cinco  funcionários, sendo dois engenheiros, enquanto a COGERH, como dissemos anteriormente,  conta com cerca de 500 funcionários e está anunciando  um concurso público para admissão de mais 65 servidores. Este fato, é importante que seja dito, sem nenhum outro propósito, senão o de demonstrar as autoridades responsáveis pelo êxito social e econômico desse empreendimento,  uma reivindicação de mais de 100 anos da população nordestina,  que não é recomendável criar uma empresa especifica para gerenciá-lo a nível federal, missão esta que poderia ser atribuída a uma Diretoria do DNOCS, sem grandes investimentos, quer seja na área administrativa, como na de pessoal, inclusive no que se refere ao aproveitamento das instalações físicas gerais e equipamentos  daquele Departamento em nossa Região.

Sobre a cobrança pelo uso da água  não vemos que seja uma solução miraculosa como se apregoa para resolver  todos os problemas dos recursos hídricos do Estado do Ceará e do Nordeste.  No caso do Projeto de Interligação da Bacia do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional o que se pretende cobrar e arrecadar provém da  diminuta vazão de 26  m3/s captada no Rio São Francisco. Na nossa  opinião falta bom senso de quem defende este ponto de vista, mas consideramos válida sua aplicação nos caudolosos rios   perenes do sul do Brasil,  onde a vazão disponível, isto é, a vazão utilizável,  se faz de forma restrita às suas respectivas bacias hidrográficas, sem a necessidade de transportar a água a longas distâncias.  Não é o caso do Projeto de Interligação  do Rio São Francisco que vai transportar  26 m3/s que se diluirão por longos de intermináveis canais, atravessando extensas áreas secas dos sertões nordestino, em quatro Estados de nossa Região. Para se ter uma ideia da importância desse Projeto, basta compará-lo com o Projeto da Adutora do Oeste que o DNOCS idealizou e construiu, em parceria com o Estado de Pernambuco, transportando do Rio São Francisco menos de 1 (um) m3/s  beneficiando 13 municípios  daquele Estado e 6 do Estado do Piauí, num total de 272 mil pessoas. Estamos comparando apenas a grandeza das vazões em ambos os projetos e mostrando que iniciativas deste tipo, mesmo com vazões relativamente pequenas,  são importantes para a nossa Região e, porque não dizer,  para o próprio vale do Rio São Francisco.

No nosso  entendimento, esta questão da cobrança pelo uso da água e de se eleger um organismo para  gerir  esse  importante Projeto merece uma  consistente análise e profunda reflexão.  Ademais, em um ano de bom inverno esse Projeto, com certeza,  não será utilizado. Igualmente, se tivermos uma sequência de anos com chuvas acima da média, da mesma forma, ele ficará em parte ou no todo ocioso,  não haverá, portanto,  cobrança pelo uso da água. Na realidade, o Projeto São Francisco somente vai funcionar   em períodos críticos de dois, três, cinco e até seis anos consecutivos, como os que já ocorreram em nossa Região.

A principal função desse Projeto é a de promover uma sinergia na utilização dos açudes da Região que poderão aumentar o seu aproveitamento hídrico em, aproximadamente, 30% de  suas atuais disponibilidades. Atualmente os reservatórios do Nordeste são operados de forma conservadora mantendo  um  provisionamento, ou reserva  estratégica da água, como faz o DNOCS, em face das imprevisíveis intempéries da natureza,  o que resulta na perda de  grande parte das disponibilidades hídricas dos açudes pelo efeito  incontrolável da evaporação.

O leitor não deve ficar assustado com o título deste artigo, pois o termo “nó górdio” “significa resolver um problema complexo de maneira simples e eficaz”, mesmo porque nós somos um dos primeiros técnicos a defender este projeto importantíssimo para a nossa Região. Entretanto, é  preciso que estes assuntos, aqui levantados, sejam examinados por pessoas capazes e experientes, que conheçam profundamente as características hidrológicas de nossa Região, devendo serem  isentas e imunes à  influências políticas de partidos ou de governo,   que primem pela ética e pelo patriotismo no  Serviço Público.

Fonte: Blog do Eliomar – Jornal O Povo