O problema do Nordeste é social, mais do que econômico

Existe uma enorme e abismal diferença da forma de atuação da CODEVASF, de um lado, e do DNOCS do outro lado. A primeira entidade exerce as suas atividades no Vale do Rio São Francisco, um rio perene, sem limitações de água, a outra utiliza as escassas águas acumuladas nos açudes por ele construídos ao longo de sua existência.

Mas não poderia deixar, ainda, de mencionar outra grande diferença existente especialmente na irrigação que se pratica na CODEVASF e no DNOCS: A própria grandeza e a homogeneidade das áreas em que aquela Companhia opera, desperta o interesse de grandes empresas e dos complexos agroindustriais, mas, infelizmente, alija a mão de obra rural constituída, em sua grande maioria de indivíduos, sem ocupação definida, que se vê obrigada a migrar para ocupar as periferias das grandes cidades. Já no caso dos projetos do DNOCS, enseja resultados sociais mais positivos, maior número de indivíduos com acesso à terra, maior oferta de mão de obra, indução ao incremento de pequeno comércio, da pequena indústria, de atividades na área de serviços etc. etc. Em suma, maior número de habitantes permanecendo no meio rural, com maiores possibilidades de ali se radicar e se desenvolver.

Enfim, estes são os meios e o modo de atuar do DNOCS, a meu ver absolutamente condizente em face da situação de pobreza e carência da população na região onde ele atua. O que seria, por exemplo, o Ceará de hoje, com a seca que castiga toda a região nordestina, se não fossem os seus perímetros de irrigação? Se não fossem os seus 62 açudes, que acumulam cerca de 85% do volume total armazenado no Estado do Ceará e propiciam cerca de 2.500 quilômetros de rios artificialmente perenizados, além do desenvolvimento da pesca e da piscicultura? Porque, então, a CODEVASF foi indicada para ser a operadora do Projeto de Integração do Rio São Francisco-PISF que, reconhecidamente, não tem as mesmas credenciais, experiência em rios intermitentes e estruturas físicas para realizar um trabalho da envergadura e eficiência que o DNOCS, há 106 anos, vem realizando em nossa Região?

Na condição de especialista em recursos hídricos, que durante quase 40 anos foi responsável, em toda a região nordestina, por essa atividade, seja como Diretor Regional, seja como Diretor de Estudos e Projetos, ou de Chefe da Divisão de Hidrologia do DNOCS e, sobretudo como cidadão, não posso deixar de dar a minha convicta opinião naquilo que, no meu entendimento, contraria os interesses maiores de nossa Região. Por isso é que me dirijo à sociedade nordestina e brasileira para dizer que sou absolutamente contrário a soluções equivocadas como esta de transferi a operação do PISF para a CODEVASF sem uma análise profunda de suas consequências atuais e futuras. Cabe ao Governo Federal rever o Decreto nº 8.207, de 14/03/2014, que transfere para a CODEVASF a função de Operadora Federal do Sistema de Gestão do Projeto de Integração do Rio São Francisco-PIFS. Na oportunidade, pergunto: a quem interessa a extinção do DNOCS?

Cássio Borges é engenheiro civil especialista em recursos hídricos e barragens pela Escola Nacional de Engenharia e Pontifícia Universidade Católica-PUC, ambas do Rio de Janeiro.

Fonte:
http://blogs.diariodonordeste.com.br/robertomoreira/o-problema-do-nordeste-e-social-mais-do-que-economico/