Palestra do Diretor Geral do DNOCS na Academia Cearense de Engenharia

Cássio Borges
Engenheiro civil, ex-diretor Regional do Dnocs e de sua diretora de Estudos e Projetos
borgescassio@hotmail.com

Ontem, dia 5 de junho, tivemos em nossa Academia de Engenharia uma interessante palestra do Diretor Geral do DNOCS, engenheiro Ângelo Guerra, tendo ele falado sobre os mais variados assuntos relacionados às atividades daquele Departamento Federal, especialmente sobre açudagem, irrigação, perfuração de poços, piscicultura, desertificação e gestão dos recursos hídricos. De forma itemizada, sem maiores detalhes, ele disse o seguinte:

1 – O DNOCS, para toda sua área de atuação em nove Estados, tem, atualmente, 1.800 funcionários,  entre administrativos e técnicos, mas só na semana passada, ele assinou a aposentaria de dez servidores daquele Departamento e a maiorias desse pessoal já está em condições de pedir suas  respectivas aposentadorias. O problema é que a experiência acumulada desses profissionais não terá condições de transmitir para os novos servidores que vierem a ser contratados. “O DNOCS não pode se acabar pois ainda tem uma grande missão a cumprir em nossa Região”, afirmou.

2 – Que por solicitação do Governo do estado do Maranhão, onde a seca já está atingindo boa parte do seu território, o DNOCS está estudando a possibilidade de abrir uma Diretoria, a exemplo das que já existem nos demais estados nordestinos incluídos no Polígono das Secas.

3 – Falou que uma das grandes preocupações do DNOCS na atualidade é a questão do combate à desertificação que, institucionalmente, é de sua atribuição. Que tem notícias da existência, em tempos passados, de uma interessante proposta neste sentido do professor Theophilo Ottoni a qual tem por finalidade “a regularização espacial de vazões” que visa, em última instância,  a “regeneração dos ecossistemas hídricos das bacias hidrográficas do semiárido nordestino”. O referido professor, segundo soube, selecionou uma sub-bacia do Rio Salgado, no vale do Rio Jaguaribe,  para implantação de  uma bacia experimental de demonstração. A execução desse projeto não exigiria máquinas e nem equipamentos pesados e poderia ser feita, simplesmente, com mão de obra de emergência, segundo esclareceu o engenheiro Cássio Borges que se comprometeu manter entendimentos com os filhos (engenheiros) do professor Theophilo Ottoni para recuperar este documento.

4 – Disse que a CODEVASF já manifestou desinteresse em ser a operadora do Projeto de Integração do Rio São Francisco embora, por Decreto assinado pela ex-Presidente Dilma Rousseff,  tenha atribuído essa missão àquela Companhia. No final da palestra do Sr. Diretor- Geral do DNOCS, o engenheiro Cássio Borges pediu a palavra para fazer o seguinte esclarecimento  a este respeito: Disse que “De acordo com o Decreto 5995, de dezembro de 2006, a operacionalidade e gestão da infra-estrutura do Projeto de integração do Rio São Francisco-PISF caberia a uma das instituições veiculadas ao Ministério a Integração Nacional (DNOCS ou CODEVASF), ou a uma entidade, que seria especialmente criada para ser a operadora federal do referido empreendimento”. Informou que em relação à criação desta nova entidade, à época, se pronunciou contra em artigos publicados na imprensa do Ceará e de Pernambuco  dizendo que, por razões climáticas, o referido projeto ficaria ocioso em 60% do tempo quando houver um ciclo de chuvas abundantes em nossa região. Afirmou que o Projeto de Integração somente funcionaria em períodos critico que ocorre, estatisticamente , em 40% do tempo. Disse que teve informações de que quando o Presidente Lula tomou conhecimento destes meus artigos, ele recomendou ao Ministério da Integração reavaliar o referido Decreto, permanecendo este assunto em banho-maria durante mais de seis anos sem uma decisão oficial de governo, o que somente veio acontecer em 02 de outubro de 2013, quando era Ministro da Integração Nacional o engenheiro Francisco José Coelho Teixeira, através do Decreto nº 8.207, de 14 de março de 2013, assinado pela Presidente Dilma Rousseff transferindo para a CODEVASF aquela missão.

5 – Falou na impropriedade da atual proposta de solução da escassez de água através da intensa perfuração de poços tendo em vista que o manancial de água subterrânea  tem suas limitações e é de difícil recuperação.  Citou, como exemplo, os pequenos açudes que apesar de secarem se recuperam, facilmente, com poucas chuvas como ocorreu neste ano de 2017 com chuvas em torno da média. Disse que o uso intensivo de poços no Rio Grande do Norte já se está verificando a intrusão de águas salinas nos mananciais de água doce naquele estado.

Ao encerrar a sua brilhante e convincente exposição, disse que estava à disposição dos participantes para responder qualquer indagação a respeito do Projeto de Integração do Rio São Francisco que seja do seu conhecimento. Em seguida, pediu a palavra o engenheiro Cássio Borges, o único membro desta Academia presente a essa reunião que tem suas atividades profissionais relacionadas à questão dos recursos hídricos no Estado do Ceará. O referido técnico disse que não só o estado do Maranhão mas o sudeste brasileiro, que também, vem sendo atingido pela seca, está querendo absorver a experiência do DNOCS naquela região.  E, segundo lhe consta, dois técnicos do DNOCS foram convidados para aquele evento.

Cássio Borges ainda falou sobre a experiência do DNOCS sobre transposição de vazões do Rio São Francisco dizendo que fez apenas uma contemplação visual do Projeto Adutora do Oeste, em Pernambuco, em companhia do engenheiro Salvador da Rocha e outros técnicos do CREA. Referido projeto, à época, já estava funcionando e disse que a vazão do mesmo é de menos de  1 m³/s para atender 41 cidades, vilas e povoados em dez municípios.  Chamou a atenção para esta pouca vazão, ao passo que os projetos que têm a participação direta de técnicos cearenses, nunca estabelecem as vazões dos mesmos com menos de 30 m³/s. No caso do Projeto de Integração do Rio São Francisco, por exemplo, a vazão prevista é de 127 m³/s. Na sua concepção, desde quando defende este projeto há mais de quarenta anos, ele  deveria  ter sido de, no máximo,  70 m³/s.

Cássio, em sua intervenção, referiu-se, ainda, a outro grande projeto realizado pelo DNOCS denominado Programa da Açudagem em Cooperação. Falou que mais de 900 açudes de pequeno porte foram construídos por aquele Departamento na região nordestina. Cerca de 600 somente no Estado do Ceará. Essas significativas obras foram construídas em propriedades rurais mediante um prêmio oferecido pelo Governo Federal de 50% do valor orçado (eram projetadas e orçadas pelo próprio DNOCS), uma espécie pioneira de  parceria-pública-privada, como hoje está sendo denominada. Não obstante, partiu de um técnico cearense a condenação desse programa sob a alegação de que se tratava de “obras construídas com dinheiro público em propriedades privadas”.  Afirmou que o confrade Flávio Saboia, membro titular desta Academia e Presidente da Federação da Agricultura do Estado do Ceará, é um dos maiores entusiastas e defensores da volta desse programa em nossa Região.

               Finalizado, disse o engenheiro Cássio Borges que a situação atual do DNOCS, sem a consistência operacional e executiva que tinha há bem pouco tempo, tem muito a ver com a indefinição e ambiguidade da chamada Lei das Águas, de nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997, a qual foi elaborada por iniciativa de um grupo de técnicos paulistas, comandado pelo então deputado estadual por São Paulo, Fábio Feldman. Disse que para a elaboração dessa lei foram realizadas, no final da década de 80, seis reuniões de Órgãos Gestores de Recursos Hídricos do Brasil tendo ele participado de quatro, representando o DNOCS. O Estado do Ceará não mandou representante, ou melhor, mandou apenas um, em uma única reunião, mas não era vinculado (por que ?) a nenhum órgão estadual.  A redação final da lei ficou por conta dos representantes do Estado de São Paulo e outros Estados sulistas. Informou que em 1993  teve a oportunidade de debater a referida lei (quatro anos antes de sua promulgação),  com o  seu idealizador,  deputado Fábio Feldman e, no final, ele lhe deu razão quando disse, naquele evento promovido pela Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba, que tal instrumento, da forma como foi elaborado, tomando como referência as características hidrológicas,  climáticas, ambientais e sociais do Estado de São Paulo e outros estados sulistas, não seria aplicável “às áreas periodicamente assoladas pelas secas”. Afirmou que do ponto de vista da lógica e do bom senso, deveria ter, nesta própria Lei, um Capítulo especial sobre o semiárido nordestino, de rios intermitentes, conforme preceitua o nosso Código de Águas, de 1911, da lavra de um cearense ilustre, General Juarez Fernandes Távora.

Fortaleza, 06 de junho de 2017.

Observação: A Lei 9.433/97 não fala sobre secas, não fala sobre rios intermitentes, não fala em açudes, não cita os dois organismos federais, SUDENE e DNOCS, responsáveis pelo desenvolvimento dos limitados recursos hídricos de nossa Região. Como disse acima, ela foi elaborada com base nas características hidrológicas, climáticas, ambientais e sociais dos estados sulistas,  em geral, de rios perenes.