Transposição: Desvio de Informações

Por Cássio Borges

Afirmam os opositores do Projeto de Interligação da Bacia do Rio São Francisco que o Estado do Ceará é auto-suficiente em recursos hídricos. No dia 2 de maio, por ocasião de um debate havido, em Brasília, na Ordem dos Advogados do Brasil-OAB, sobre esse polemizado projeto, com a presença do Ministro Ciro Gomes, vários parlamentares fizeram alusão a esse fato, dizendo que o Estado do Ceará não precisa de água do Rio São Francisco. O senador Antônio Carlos Magalhães, da Bahia, disse textualmente que ”só o Ceará tem quase que a mesma vazão disponível do Rio São Francisco”.

Em debate havido na Assembléia Legislativa em Fortaleza, em 21 de março último, o engenheiro João Abner Guimarães, da UFRN, afirmou que, segundo site da Cogerh, o Estado do Ceará tem uma vazão disponível de 215 m3/s, enquanto no Rio São Francisco, a vazão disponível é de apenas 360 m3/s. É nesta esdrúxula comparação de vazões que surge a espantosa e surpreendente afirmação de que ”água no Estado do Ceara não é problema”.

No debate havido na OAB, o Secretário do Comitê da Bacia do Rio São Francisco, Luiz Carlos Fontes, afirmou que aquele colegiado havia, realmente, feito concessão para transferência de água para bacias vizinhas,”mas somente na hipótese de comprovada escassez de recursos hídricos das bacias receptoras”. Neste diapasão, há duas vertentes a considerar. Primeiro, é que seja comprovado tecnicamente que as bacias receptoras sejam deficitárias em recursos hídricos e, segundo, que seja comprovado que o Rio São Francisco tenha disponibilidade de água para atender às populações fora do seu contexto hidrográfico.

Em artigo anterior, demonstrei que o Estado do Ceará é deficitário em recursos hídricos e que não tem sentido lógico, que aqui haja, de fato, uma vazão útil de 215 m3/s, conforme reafirmou, em sua palestra, na OAB o engenheiro João Abner, um dos maiores críticos desse empreendimento. É um erro associar-se, como vem sendo feito nos meios técnicos cearenses, o conceito estatístico de ”90% de garantia” (ou ”90% de confiabilidade”) à real disponibilidade hídrica do Estado, dando, assim, uma falsa e otimística idéia de que o Ceará tem muita água, fato este que está sendo bastante explorado pelos opositores do projeto detransposição. Em outras palavras, não se pode, com meros subterfúgios estatísticos, criar riquezas (disponibilidades hídricas) fictícias. Quanto à possibilidade do Rio São Francisco ceder água para os rios do Nordeste setentrional, já disse anteriormente que a real vazão disponível do Rio São Francisco é aquela que corresponde à vazão regularizada da barragem de Sobradinho, ou seja, 2.060 m3/s. Deste valor, é correto que seja destinada uma vazão ecológica para a foz do rio que seria de 690 m3/s, a menor vazão histórica registrada anterior à construção da barragem de Sobradinho. Justo, dentro da ótica da renaturalização do Rio São Francisco. Se, para fins ecológicos esta última vazão for adotada, a vazão efetivamente disponível do Rio São Francisco para irrigação e abastecimento humano e animal seria de 1370 m3/s e não 360 m3/s, como foi definido pelo Comitê da Bacia, reafirmando a sua notória e histórica má vontade em ceder água para as bacias carentes de nossa Região.

Fonte: Diário do Nordeste