Transposição: Reestabelecendo a Verdade
Por Cássio Borges
No último dia 21 de março, por iniciativa do Dep. Federal João Alfredo, foi promovido, na Assembléia Legislativa, um democrático debate sobre o polemizado Projeto de Interligação de Bacias do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional. Foram convidados, como expositores, o professor João Abner Júnior, da UFRN, um dos maiores críticos deste empreendimento, que se pronunciou contra e este articulista a favor. Como debatedor do tema, falou o engenheiro Francisco Teixeira, do Ministério da Integração Nacional.
Um dos argumentos do professor João Abner, para justificar seu posicionamento contrário a este projeto, é que, após as águas serem bombeadas do Rio São Francisco e lançadas nos leitos secos dos rios intermitentes, elas irão se perder, em grande parte, por infiltração e evaporação, podendo, assim, comprometer social e economicamente os objetivos do empreendimento. Tal fato não deverá ocorrer numa magnitude que possa inviabilizar os objetivos do projeto. Cito como exemplo o açude Orós que, desde o ano de 1978, com seus 12 m3/s de vazão regularizada, perenizou mais de 300 quilômetros do Rio Jaguaribe, até sua foz.
A vazão a ser importada do Rio São Francisco será de 26 m3/s, valor este equivalente a duas vezes a vazão regularizada do açude Orós que, como foi dito, é de 12 m3/s. Portanto, pode-se dizer que 26 m3/s, divididos em dois canais, chamados Eixo Norte e Eixo Sul, representam os benefícios gerados por duas barragens do porte do açude Orós. Como o bombeamento dessas águas deverá ser contínuo (a não ser em épocas de chuvas), elas se infiltram nos mantos porosos, formando um lençol freático subterrâneo que, com o tempo, tendem ao equilíbrio, compensando as perdas por evaporação. Podem, inclusive, serem usadas, ao longo dos rios perenizados, como água útil para o consumo humano e animal, que é o objetivo principal desse projeto. Tanto isto é verdadeiro que o açude Orós nunca deixou de cumprir as suas finalidades, apesar dos muitos usuários de água ao longo dos seus 300 quilômetros perenizados, proporcionando, inclusive, a alimentação, de forma eficaz e econômica, do rico lençol subterrâneo do Baixo Jaguaribe. Também, jamais faltou água para as cidades ribeirinhas, mesmo nos períodos mais críticos de estiagens. Foi por isso que, na seca de 1993, foi possível transferir 6 m3/s de água do Rio Jaguaribe, ou, mais precisamente, do açude Orós, para a Região Metropolitana de Fortaleza. Pelo visto, carece de maior fundamentação o argumento do professor João Abner de que a obra seria inviabilizada pelas perdas por infiltração e evaporação ao longo dos rios que serão perenizados por água do Rio São Francisco.
Na oportunidade do debate, citado no início deste artigo, fiz referência à vazão de 360 m3/s que, segundo o Comitê do Vale do Rio São Francisco, seria o valor máximo disponível, no baixo curso daquele rio, para fins de irrigação, industriais e abastecimento urbano e rural. Ora, o Rio São Francisco tem um histórico de vazões mínimas em sua foz, desde a época do descobrimento do Brasil, ou seja, mesmo antes de qualquer obra reguladora de vazões em seu curso, da ordem de 690 m3/s. Como, então, aceitar ser de apenas 360 m3/s a vazão máxima disponível, se só a barragem de Sobradinho oferece a garantia de uma vazão de 2.060 m3/s? Considero, portanto, no estirão entre a referida barragem e o mar, a vazão máxima garantida disponível do Rio São Francisco é, de fato, no mínimo, de 2060 m3/s, sem levar em consideração as contribuições dos afluentes a jusante de Sobradinho. Isto é indiscutível! No meu entendimento, essa vazão de 360 m3/s não passa de uma “armação” visando criar mais um obstáculo para os chamados estados doadores se oporem ao projeto do Ministério da Integração Nacional que, dos 2060 m3/s, pretende retirar a ínfima parcela de 26 m3/s, com o nobre e necessário objetivo de acabar de vez com o flagelo das secas nordestinas, que tantos prejuízos acarretam, não apenas à região diretamente afetada, mas à Nação toda.
Fonte: Opinião – Jornal O Povo