Transposição: Reestabelecendo a Verdade II
Por Cássio Borges
Os verdadeiros democratas têm que reconhecer que os interesses conflitantes e as opiniões divergentes trazem, também, contribuições positivas. Sou dos que acreditam que mesmo com divergências, convergências são encontradas no que tange ao que seja melhor para o país, e, em especial, para a melhoria da qualidade de vida das populações mais carentes. É o caso do debate promovido pelo Deputado João Alfredo, na Assembléia Legislativa, no último dia 21 de março, sobre o Projeto de Interligação da Bacia do Rio São Francisco às Bacias Hidrograficas do Nordeste Setentrional, para o qual foi convidado o professor João Abner Júnior, da UFRN, um dos maiores críticos desse empreendimento.
Continuando a minha análise sobre os principais tópicos discutidos no referido debate, outro argumento do professor João Abner, além dos que já comentamos no artigo anterior, publicado neste jornal, no dia 30 de abril p. passado, é que “água não é problema” nas regiões que serão beneficiadas pelo projeto. Ele cita o caso do Estado do Ceará que, atualmente, já dispõe, segundo ele, de uma vazão útil de 215 m3/s e compara este dado com a disponibilidade hídrica total do Rio São Francisco, que dizem ser de apenas 360 m3/s (mostrei no artigo anterior que a real disponibilidade hídrica do Rio São Francisco corresponde à efetiva vazão regularizada da barragem de Sobradinho, que é de 2.060 m3/s, valor este constante de todas as publicações sobre este assunto). O professor, quando questionei a respeito da fonte onde ele colhera essa informação (215 m3/s), demonstrou não estar muito seguro do valor que citara. Disse que a obtivera no site da COGERH (Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Estado do Ceará) e acrescentou “com o critério de 90% de garantia” (ou “90% de confiabilidade”, que significa, estatisticamente falando, que a cada dez anos, hipoteticamente, haverá um ano em que todos os açudes do Estado do Ceará poderão ficar totalmente secos). Prontamente, contestei este critério (de 90% de garantia), por considerá-lo inadequado, pois esse ano fatal, “em que todos os açudes do Estado do Ceará poderão ficar totalmente secos”, poderá coincidir com períodos secos, fortes e prolongados (5 ou 8 anos seguidos, como já ocorreram) e em vez de um ano, os açudes poderão ficar secos numa seqüência de vários anos, situação caótica e calamitosa para usos mais nobres, como o do abastecimento de água. Portanto, a segurança, sem risco de desabastecimento para as populações urbana e rural, numa região seca como a nossa, que sequer dispõe de reservas de água subterrânea, deve ser total, isto é, com 100% de garantia (os açudes, teórica e hipoteticamente, jamais secariam). Daí a importância de se ter a possibilidade de importação de vazões do Rio São Francisco, justamente para suprir as deficiências hídricas nos períodos críticos, de até oito anos seguidos, como o de 1950 a 1959, como exemplo. Com esta garantia de que não faltará água para o abastecimento humano e animal nos períodos críticos, os açudes nordestinos poderão aumentar substancialmente (com certeza, mais do que duplicar) as suas respectivas capacidades de aproveitamento das águas armazenadas. Ainda para contestar esse valor de 215 m3/s, fiz referência a dois trabalhos feitos por mim e publicados no Boletim Técnico do DNOCS nos anos de 1981 e 1985 e atualizados, recentemente, considerando o açude Castanhão, os quais indicam que o Vale do Jaguaribe somente dispõe, no máximo, de 50 m3/s (com 100% de garantia). Desta forma, em todo o Estado do Ceará, a vazão disponível chega, no máximo, a algo em torno de 100 m3/s, da qual, no Vale do Rio Jaguaribe, segundo tabela publicada em livro de minha autoria, em 1998, já está comprometida a vazão de 70 m3/s. Portanto, com a perspectiva de um déficit hídrico, naquela região, de 20 m3/s em curto prazo. Este fato, também, desfaz a tese do professor João Abner de que “água não é problema” no Estado do Ceará.
Fonte: Opinião – Jornal O Povo